sexta-feira, julho 30

Mãe, ... Amor incondicional!


DO LUTO  À LUTA, DA DOR AO AMOR
Flavia, minha filha,   foi uma criança alegre e saudável até seus  10 anos de idade.  Mas no dia 06 de Janeiro de 1998, tudo mudou, quando ela sofreu um trágico acidente na piscina do prédio onde morávamos, em Moema, São Paulo. O ralo da piscina, conforme mais tarde seria provado por perícia técnica, funcionava de forma irregular, estava superdimensionado, era potente demais para  o tamanho daquela piscina, e a forte sucção do ralo  sugou os cabelos de Flavia, deixando-a presa embaixo d’água. Presa pelos cabelos ao ralo da piscina, Flavia sofreu afogamento, com  parada cardiorespiratória e desde então vive em coma vigil. Segundo os médicos, o estado de coma de Flavia é irreversível.
Nos primeiros meses após este acidente que interrompeu a infância saudável de minha filha, eu me sentia como se  estivesse vivendo um pesadelo. Eu ainda não sabia como  administrar aquela dor, que me chegou tão de repente e de forma tão brutal.  Minha dor era ostensiva: Estava presente no meu rosto, nos meus olhos, na minha voz, nos meus gestos. Aquela dor era  tamanha que eu me fundia e me confundia com ela.
Flavia ficou 35 dias na UTI e 8 meses hospitalizada,  em estado de sofrimento intenso. E por vê-la sofrer, intenso também era o meu sofrimento. Fizeram-lhe uma gastrostomia para que ela pudesse ser alimentada por sonda, já que o acidente lhe tirou a capacidade de engolir. O corpinho antes perfeito foi se entortando por causa de uma escoliose,  decorrente da severa hipertonia (hiper atividade do tônus), uma  das várias seqüelas do acidente. Por causa dessa escoliose Flavia teve que ser operada aos 12 anos de idade, para colocar uma haste de metal em toda a extensão de sua coluna evitando com isso que os órgãos internos fossem pressionados pela curvatura da coluna e a levasse `a morte. Essa cirurgia foi de alto risco e complexidade, mas  o resultado  foi muito positivo, pois melhorou em muito a qualidade de vida de Flavia. Depois desta, outras cirurgias se fizeram necessárias no corpo de Flavia, como por exemplo, a cirurgia para retirada de glândulas salivares para diminuir  a quantidade de  vezes em que ela necessita ser aspirada e assim diminuir as secreções que naturalmente se formam em seus pulmões por ela  estar acamada.
Hoje  Flavia tem 22 anos. Tinha 10 quando sofreu o acidente. Ao longo desses 12 anos em que minha filha vive em coma, temos enfrentado uma rotina de cuidados rigorosos para que ela  viva com o máximo possível de  qualidade de vida. Levanto-me todos os dias por volta das 5:30min da manhã e só vou dormir após a meia noite. Além de duas Técnicas de Enfermagem que se alternam em turnos de 12 horas, Flavia tem Fisioterapia diária. Eu, hoje com 61 anos, e há 8 anos aposentada,  supervisiono de perto esses cuidados e à noite eu mesma cuido de minha filha. É um  momento em que podemos ficar um pouco a sós e “conversar”. ‘E um momento nosso.
Flavia  é muito  bem cuidada. Nunca teve escaras (as temidas feridas em pessoas que ficam muito tempo  acamadas) A pele de Flavia é íntegra, os dentes são escovados duas vezes ao dia e limpos semestralmente pelo dentista e por isso Flavia nunca teve cáries. Seus cabelos, sempre  brilhantes e longos como ela gostava, recebem corte anual pelo cabeleireiro Ary, que cuidava dela desde antes do acidente.
Estímulos auditivos: É muito importante conversar com pessoas em coma, por isso converso com Flavia  e oriento as  Técnicas de Enfermagem a fazerem o mesmo. E Flavia, que tem a  audição preservada, ouve diferentes sons,  pois coloco também  música para ela ouvir. À  noite quando estamos a sós, coloco as mensagens de voz que nosso amigo português António  grava  e envia especialmente para Flavia. Por intermédio dessas gravações António também conversa com Flavia. Conversar com pessoas em coma, de forma doce e gentil pode fazer com que nossa voz, além de lhes estimular o cérebro, lhes chegue como um carinho.
A dor pelo acidente causado `a minha filha, embora, com o passar dos anos  tenha ficado mais serena, existe em mim e é  uma dor que não passa. Não, esta dor não passa,  ficou tatuada em minha alma e só se tornou mais suportável depois que decidi criar o blog FLAVIA VIVENDO EM COMA, para dar voz `a Flavia,   para alertar as pessoas para o perigo dos ralos de piscinas e lutar contra a lentidão da justiça brasileira em condenar os responsáveis  pelo acidente que deixou Flavia em coma vigil irreversível. O acidente foi causado por negligência do condomínio Jardim da Juriti onde morávamos e da empresa fabricante do ralo, a Jacuzzi do Brasil. O condomínio porque trocou sem orientação técnica o equipamento existente por outro superdimensionado, portando inadequado. E a Jacuzzi do Brasil fabricante do equipamento, por não ter alertado  em seus manuais para o tipo de acidente que vitimou Flavia. A sucção de cabelos pelo ralo, caso  esse ralo  fosse instalado fora dos padrões de segurança, como de fato foi. O tipo de acidente causado `a Flavia é mais comum do que se pensa e tem feito vítimas graves e fatais no Brasil e no mundo. Muitos desses acidentes estão documentados no blog de Flavia. E fico perplexa  por ver a indiferença das grandes mídias e das autoridades para com  os acidentes causados por ralos de piscinas,  que continuam acontecendo e matando pessoas, principalmente crianças, que têm sido  as maiores vitimas.
Meses após o acidente, para fazer valer os direitos de minha filha, processei a seguradora do prédio, o condomínio  e  a empresa fabricante do equipamento que sugou os cabelos de Flavia, a Jacuzzi do Brasil, mas destes três réus, somente a seguradora e o condomínio foram  condenados e mesmo assim, depois de 12 anos de batalha judicial. A Jacuzzi do Brasil foi inocentada pela justiça, o que me deixou indignada por ter achado a decisão injusta. Na minha opinião, quem disponibiliza no mercado um produto que pode colocar em risco a vida de pessoas, tem por obrigação alertar em seus manuais de forma bem visível,  para todo tipo de acidente que seu produto possa vir a causar, caso  seja  instalado em desacordo com a orientação do fabricante.
DOR. Por ver minha filha em coma vigil irreversível, vivendo `a  margem da vida, dependente de todos pra tudo. DOR. Por não ver  condenados TODOS os responsáveis pelo acidente que deixou minha filha em coma, roubando-lhe a infância,  a adolescência, os sonhos, o futuro. DOR.  Por ver uma justiça lenta, burocrática e por ser assim, beneficia os culpados e pune as vítimas.
Mas a dor há que ser trabalhada, sob pena de sucumbirmos a ela. E uma das formas que encontrei para trabalhar minha dor pelo estado de coma de minha filha foi dar VOZ  a ela através do blog FLAVIA, VIVENDO EM COMA. Nesse blog, procuro exercer a cidadania de Flavia que lhe foi roubada de forma irresponsável e cruel. No blog de minha filha procuro dar sentido `a tragédia que lhe aconteceu, alertando outras pessoas para o perigo dos ralos de piscinas. No blog de Flavia procuro também, através de uma petição on line, conscientizar políticos para a necessidade de uma Lei Federal para a Segurança nas Piscinas, de modo que menos crianças venham a ter o destino de Flavia: Viver à margem da vida.
E com  isso eu tento, não sei se consigo, mas tento transformar minha dor, numa história de amor. Por Flavia, minha filha.

São Paulo, 28.07.2010
Odele Souza
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[Veja e ouça o Vídeo Blogagem Coletiva-Justiça para Flavia, na barra inferior( ao final) da página]

6 comentários:

  1. Obrigada por seu depoimento Sra. Odele, só mesmo uma Mãe para vencer tanta dor,e ainda ajudar o proximo, com este alerta sofrido.
    A Flavia é linda!
    Que a Sra. consiga vencer esta empresa irresponsável, desumana, bandida[ como tantas no Brasil]
    Meus respeitos,e minha solidariedade.
    João Carlos Albuquerque- RJ

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  2. Quanta dor, quanta luta!
    Como Pai, só consigo dizer força e coragem, MÃE !
    Alberto Nunes Braga- E.S

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  3. Ana,

    Quero lhe agradecer por publicar aqui em seu espaço meu depoimento com a história de minha filha. Sempre digo, porque acredito nisso: A história de Flavia é sinônimo de INJUSTIÇA e IMPUNIDADE. Mas apesar da descrença na nossa justiça, acredito também que devemos continuar a lutar pelo que acreditamos. E acredito que mesmo que não possamos mudar o mundo, devemos, cada um de nós fazer a sua parte para tornar esse mundo melhor, se não der tempo para nós, lutemos por um mundo melhor para nossos filhos, netos, bisnetos...

    Muito obrigada também pelo bonito trabalho que vicê fez com as fotos de Flavia. Ficou uma ternura.

    Em meu nome e em nome de Flavia, um abraço para você e seus leitores.

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  4. Odele querida,
    Só eu sei, o quanto sua luta me comove , sei tb. que graças a sua força e seu todo Amor por Flavia, ela vive cercada de cuidados e de muito afeto. Conte sempre comigo,já tornei minha , a sua luta .
    Certamente , um dia, pq. elevamos nossas vozes, pq. nossa dor se fez um grito de alerta, o mundo será melhor. Será!
    Um beijo para vc. e Flavia.
    anamerij

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  5. Odete,
    vale, não vale?
    É só um instante de vida, tão grande, tão doído...
    Mas há tanto milagre de vida neste instante, que só me resta agradecer pelo seu depoimento.
    Há uma fraternidade que cresce.Também amo a Flávia, sem qualquer dúvida.
    Elane Tomich
    Avó da Natália

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  6. Olá,

    Você deixou um comentário no blog sobre meu filho, http://avidadomeufilho.blogspot.com
    Gostaria de entrar em contato com você. Meu email é luizfernando.vianna@gmail.com

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Obrigada por sua visita.
Boas Leituras!