domingo, junho 27


Amar...cura!


Para Natália
 [Natália a Pequena Guerreira]

(divulgação da foto autorizada por Elane Tomich)
por Elane Tomich*
Mamãe abre a porta
e junto, o passear
abre o peito e o  seu jeito
de colo, pra eu deitar.


Mamãe abre o mar
o barco, o indiozinho a remar
abre a roda e a dança
da ciranda de crianças.

Mamãe abre o segredo
e fecha o lugar do medo.


Abre o coelho, o chocolate
do Snoopy, abre o "late"
e os Backyardigans também


Mamãe abre o neném
que  só brinca de chorar
mas não abre nunca a briga.
que ele pode escutar
e aí querer ficar.

Mamãe abre a alegria
dessa bolha de sabão
abre o som da sinfonia
abre isto, aquilo não.


Abre o bate pirulito
abre o sono do vovô
abre o mundo, fecha o grito
abre o tchau daquele choro
que eu sonho colorido.

Abre os olhos para mim
pois, com você vejo sim
apesar do olhar sem pressa
com que nasci e atravessa
o céu, o mar e a praia

Papai abre um deboche
abre a fala das mãos
a matéria,  a pedra dura
a água de coco, pura
o açaí e meu coração aqui.

Não deixe o sinal fechado
que o prefeito está errado
mamãe abre o apertado
desta sandália e da saia
para Natália


Mamãe, papai e vovó
abre o parquinho
o indiozinho
onde eu gosto de dormir

Porque vocês falam esquisito
sem cantar, sempre, por quê?

Abre o canto, abre o jogral
pois a vida que eu vivo
tem um fundo musical

Mamãe abre a vida,
fecha os ismos
abre a janela do otimismo
que eu me abro do autismo.

******

 Depoimento de Elane Tomich*:

Natália é minha neta. Hoje com 4 anos de idade. Nasceu normal, desenvolvimento correndo dentro dos padrões de excelência. Aos 8 meses, idade próxima daquilo que se chama em psicologia de saída do narcisismo primário, Natália nos deu um susto. Parou e parou tudo o que se referia à comunicação com o mundo.

Peço desculpas pelo termo técnico que usei anteriormente, mas um exemplo dado por Piaget nos deixa bem claro o que quer dizer a teoria. Por volta dos 7 ou 8  meses, a criança que até então chorava devido a um brinquedo que dela era escondido por um anteparo, por exemplo, ela está se divertindo com o som de um chocalho, este está nas mãos de outro, um adulto. Quando o objeto é escondido por uma revista, cartolina, etc. e, some temporariamente do seu campo visual, a criança se frustra e chora, como se houvesse perdido o objeto de prazer. Na idade, acima citada, a criança acrescenta qualidade à brincadeira. Diante do "desaparecimento" do brinquedo ela vai buscá-lo olhando atrás  ou afastando o anteparo. É a fase do famoso "achou", que ela quer repetir  e repetir, etc. Isto significa que uma coisa não deixa de existir só porque não a estamos vendo, ou foge ao nosso campo visual. Este fenômeno, tão pouco valorizado chama-se permanência do objeto e é muito importante para  a base da formação da identidade. Se o outro existe sem mim, eu  também posso existir sem o outro. Em termos de desenvolvimento humano, esta fase equivale a uma adolescência da primeira infância, complexa e com muito conhecimento adquirido, perdas e separações inconscientes.
Pois bem, falo por mim, como estudiosa do assunto. É nesta fase que costumam aparecer os primeiros sinais de autismo, normalmente não percebidos pelos pais e profissionais, tamanha a sutileza dos sintomas. A criança não se separa dos objetos externos, como foi dito antes (Objeto aqui é visto como qualquer coisa externa com a qual se possa estabelecer uma relação).
Funde sua identidade com a do outro, normalmente a mãe por ser sua relação mais próxima e passa a viver num mundo onde ela (a criança) não existe. Como esta fase é extremamente sensorial e limiar com a fase do verbalismo, mais abstrata e social, a criança passa a utilizar ser corpo como forma de dizer. Os especialistas em sua maioria dizem que é um "não dizer", onde a criança só vê a si  não vê o outro Penso o contrário:- a criança se funde tanto a um mundo gigante e apavorante que seu isolamento tem todas as características de medo paralisante diante de algo que a torna pequena e incapaz, como acontece a adultos catatônicos, pós depressão grave. Ela cria uma barreira contra o mundo tão forte que sua única relação é com  a repetição de gestos ou sons. A repetição é a base do vício e impede a pessoa  a passar para outras ações onde as coisas mudam e acontecem. No caso de crianças com diagnóstico de autismo, as causas são imensamente controvertidas, mas os sintomas, vícios gestuais e de postura são sempre os mesmos:- rodar por horas um objeto e olhá-lo fixamente, balançar para frente e para trás durante um dia ou mais, o próprio corpo; evitar o contato visual com qualquer pessoa; gosto por um determinado som eletrônico,  movimento de flaps com as mãos, jamais atender a um chamado ou demonstrar interesse por nada que não seja este leque de poucas ações diárias, repetidas infinitamente. Se você derrubar um objeto muito barulhento, para chamar a atenção da criança, enquanto ela se embala para frente e para trás um dia inteiro, ela não demonstrará sequer uma contração muscular ou da pupila. Daí os primeiros sintomas do autismo serem muito confundidos com a surdez grave. 

Pois bem, volto à Natália, minha neta. Aos nove meses, minha filha achou que Natália tinha algum distúrbio de audição. Começou nossa maratona de médicos, fonoaudiólogos, neuropediatras, pedagogos, psicólogos.

Praticamente gastamos uma fortuna e escutamos de tudo, até alguns absurdos, como "ela é uma criança de índole má"
Minha filha, até então uma moça mimada, começou a se transformar numa mãe valente e lutadora. Meu genro idem e devagar foi entrando toda a família no processo de pesquisar os sintomas que Natália apresentava.

Como os sintomas acima descritos são as grandes características de qualquer tipo de autismo, foi minha filha quem corajosamente assumiu o diagnóstico. De pesquisa em pesquisa ela descobriu métodos variados de adaptação para os autistas mas sempre com prognósticos muito ruins, dados pelos especialistas.
Natália já estava com mais de um ano e não suportava ver rostos. Todas as fotos tiveram de serem  retiradas das paredes e dos móveis.Ela reagia com ranger de dentes e rigidez muscular muito forte à vista de um rosto. Bonecas eram viradas de cabeça para baixo, com a face para o chão e ela se sentava num canto da sala, sempre no mesmo ângulo e ali ficaria a balançar o corpo sem parar. Se era retirada do seu canto,ela não oferecia resistência, demonstrava total apatia e continuava com os mesmos  movimentos.
O “flap" com as mãozinhas era constante também. "Ela não ouve nem nos vê" diziam os profissionais, mas eu, principalmente, estava totalmente convencida de que Natália tinha dentro de si um medo tão grande, uma angústia tão precoce, que o que ela mais queria é que  a ajudássemos a entrar no mundo. De alguma forma, Natália tinha um certo contato comigo e apreciava minha presença. Por exemplo, ela já começara a dar gritos intermináveis altos e sem sentido. Eu a abraçava com força, aconchegava-a e ela se acalmava. Gostava do meu colo Passei a andar horas em ambientes abertos com ela até ficar exausta e jamais abri mão de nossas "conversas": - Olha o mar, que passarinho lindo, etc... Tudo parecia uma via de mão única. Foi então que Thaís, minha filha, ouviu falar do sonrise, método criado por pais de um garoto autista e a única cura detectada até então. Este menino, hoje é um dos maiores especialistas em comunicação humana e professor de psicologia numa grande Universidade americana. O método é muito criticado, pois depende mais da ação da família, já que ele é uma postura de vida, mais do que de um tratamento com hora marcada em qualquer clínica. Por exemplo, até o sonrise, era unânime a postura dos estudiosos e profissionais de que tudo o que pudesse iniciar o processo de repetição na criança, deveria ser retirado do seu alcance. Até hoje é normal, amarrarem, embora com tecidos macios, o corpo da criança a algum espaldar para evitar o balanço. O sonrise diz o contrário:- se sua criança só sabe balançar o corpo, balance com ela. Olha, o que balançamos não foi normal. Minha filha, meu genro e eu. Aí começaram a acontecer os primeiros contatos visuais e estes eram celebrados com alegria impar. Construímos um quarto cheio de estímulos sensoriais, e qualquer som emitido por Natália, ainda que fosse um "ah!" nós brincávamos de alegria, como ela hoje diz. Pois bem, nosso amor de criança, começou a se comunicar muito reservadamente, cada vez mais e mais... Apresenta um enorme talento para música e leitura. Muito criativa, Natália, hoje compõe suas músicas. Foram três anos de trabalho ininterrupto e não acabou, mas contando assim, parece invenção, milagre, mágica. Nada disso houve muito suor e aceitação em tudo isto.Natália leu aos dois anos e meio e se ela olha uma sequência qualquer, por exemplo, as letras do teclado do computador ela os repete na ordem, bastando olhar uma vez.Hoje seu diagnóstico é de Síndrome de Asperger com habilidades especiais. Que é a margem  inteligente ”de um espectro muito amplo, onde muitas formas de "autismo” têm suas causas obscuras, mas com sintomas parecidos iniciais. Num evoluir sem intervenção a parte mais dolorosa é a automutilação e depois uma agressividade muito forte. Dói, dói muito assistir. Crescer junto com estas crianças é uma felicidade difícil de explicar.
O assunto é muito vasto e meu e-mail para aquilo que eu puder ajudar, aos interessados é: elane_tomich@oi.com.br

Sou apenas uma avó aprendiz, mas sobra-me disposição para estas crianças. Quanto à inclusão escolar, o autismo é a mais aterrorizante síndrome para os professores. Por quê? Porque é muito desconhecido e o desconhecido nos paralisa e mete medo.

Observação: teorias espíritas ou religiões orientais não aceitam o diagnóstico de autismo, preferem dar outro nome a esta síndrome, como por exemplo, criança cristal ou índigo. Numa coisa estão certos, o número de nascimentos de crianças  com tais características, aumentou muito, percentualmente na última década.
                                                                          *******

Elane Tomich por Elane Tomich
 
Nasci em Belo Horizonte em 1954.... Pequena, mudei-me para o Vale do Mucuri, irmão do Vale do Jequitinhonha onde tive uma infância rural e rica em todos os aspectos.
Na época andávamos de trem. Em Carlos Chagas, pequenina cidade  de 20.000 habitantes onde deixei maravilhoso amigos que hoje reencontro e que me relembram  o  quanto eu já gostava de escrever quando, me mostram anos guardados, mini contos de amor, ou seriados que eu escrevia para minhas amigas, já que não havia livraria na cidade.
Mudei-me para Curitiba para estudar, pois meu pai só me deixaria ir para fora se eu ficasse em casa de parentes. Os Tomich são uma família imensa, meu pai tinha doze irmãos. Foi na casa dos tios Pedro e Wilma onde morei até me casar aos 23 anos, quando terminava a faculdade de psicologia.
Curitiba foi também minha terra, eu sempre estive repartida entre Minas e o Paraná.
Tornei-me professora da Universidade Federal e em seguida fiz mestrado em Antropologia na PUC-SP, e poucos anos depois doutorado na USP em Psicologia Social.
Tive três filhos, meus maiores poemas, Fábio, jornalista, casado com Simone, também jornalista e pais de Eric de 3 anos e Juliana de 9 meses. Thaís, casada com Thiago, comerciantes e pais de Natália de 4 anos. E meu caçula, Marco, publicitário como o pai.
Tive um livro publicado como parte da comemoração dos trezentos anos de Curitiba sobre a imigração polonesa no Brasil. Interessante é que este livro vendeu uma tiragem absurda, pela Fundação Cultural de Curitiba.
Divorciada, com os filhos adultos e aposentadoria  muito jovem, voltei a Minas onde testemunhei a morte do meu pai, pessoa que mais marcou minha vida pela integridade, cultura e leveza. Meu pai foi o primeiro Repórter Esso de Minas.
Fiz tanta coisa na vida, fui tão atuante em tudo, que parece vivi mais do que o possível, na minha idade. Viajei mundo afora, conheci muita gente, passei a achar gente a arquitetura ou a paisagem mais bonita de se ver. Sempre escrevi poesias, mas o mundo acadêmico me absorvia bastante.
Fui amiga, fomos, eu e meu ex marido, amigos muito próximos do hoje reconhecido, Paulo Leminski. 
Aqui, em Teófilo Otoni, tornei-me psicóloga clínica e comecei a ter uma coluna no jornal. Dei muita consultoria sobre saúde mental pelas cidades  vizinhas, e aprendi a analisar sobre muitos prismas uma realidade que era única.
Soltei a poesia...
Publiquei em jornais revistas esparsas e agora está na gráfica meu primeiro livro de poemas. Acho que ainda sai ente ano...
Distraída, acho que sou feliz!
Uma marca da minha família e que meus filhos herdaram, é o bom humor.
Rir de si para levar a sério esta grande missão que é a vida.

Está é , nossa Elane Tomich!